Fechou a porta com estrondo e encostou-se a ela como quem procura um abraço ou um ombro amigo. Dentro do peito o coração batia forte e rápido, como se pretendesse escapar daquela prisão, daquela dor, rompendo violento por costelas, esterno, derme e epiderme. Depois de ter cumprido um longo trajecto desde o canto do olho chegou-lhe à boca uma lágrima, solitária e triste, nem doce nem amarga mas sim com um leve travo a salgado. Inevitavelmente lembrou-se do gosto dos lábios dela, uma improvável mistura de limão, canela e maçã. Por mais que pensasse não encontrava resposta para as perguntas que sem descanso lhe martelavam a cabeça: porquê? o que correu mal? onde falhei? porra, será que falhei?
Que não era culpa dele, tinha-lhe dito ela. Que lá bem no fundinho não era culpa de ninguém, que era óbvio que a relação não tinha rumo, não tinha futuro, vivia apenas do passado e estava imóvel, parada no tempo do presente como um velho sentado à beira da estrada a pensar no que já foi, mero espectador da vida dos outros. Que tinha por ele muito carinho, disserá ela sem se aperceber da mais que absoluta crueldade da expressão. Não conseguiu evitar um sorriso, no fundo um esgar de cinismo. Ele que durante anos sempre se fechara em copas, evitando ir a jogo, evitando o terreno minado das relações, tinha atirado o cuidado às urtigas e dado finalmente tudo de si, arrastado num torpor dormente, metade dor metade prazer, enfeitiçado por aqueles enormes olhos de preto azeitona, ao mesmo tempo límpidos e enigmáticos. Incoerências, contrasensos, irracionalidades várias. Os sinais estavam lá, pensava agora enquanto olhava para trás. Como era possível ter sido vaidoso ao ponto de presumir que poderia conter numa redoma toda aquela alegria, aquele sentido de humor e sorriso imparáveis, cheios de promessas, cheios de calor? Tinha-se resumido tudo a uma luta inglória com um final tão previsível que nem sequer se podia dizer surpreendido. Quantas vezes tinha assistido a situações destas, confortavelmente instalado no seu habitual posto de atento observador, seguríssimo no seu papel de ombro amigo para as horas más, fiel porto de abrigo. Onde estava agora toda a confiança, a calma que demonstrava quando arrogantemente aconselhava os outros? Idiota.
As frases feitas, os muitos peixes do mar, o tempo que tudo cura, de que lhe serviam agora, no meio da baba e do ranho? Idiota.
Como um autómato serviu-se de um copo generoso de whisky que tragou com um gole. Bebeu outro e ainda mais outro, numa patética tentativa de conquistar um estado de ausência, um não estado onde tudo aquilo não existisse pelo menos durante um par de horas. Onde ela não existisse. Nem os olhos, nem o sorriso, nem as mamas, nem aquela boca e aquela língua. Deu consigo a masturbar-se, de raiva e de despeito. Só quando se veio, mecanicamente, cansado e banhado em lágrimas, é que constatou que o lhe doía não era estar novamente sozinho. O que lhe doía ao ponto de o queimar por dentro era a profunda certeza de que iria sempre gostar dela.