os quatro elementos da natureza os quatro pilares da sabedoria os quatro atributos do corpo os quatro cavaleiros do apocalipse

15.10.12

A receita é sempre a mesma... Há séculos!

Diálogo entre Colbert e Mazarino durante o reinado de Luís XIV, na peça teatral Le Diable Rouge, de Antoine Rault, de 2008: Colbert: - Para arranjar dinheiro, há um momento em que enganar o contribuinte já não é possível. Eu gostaria, Senhor Superintendente, que me explicasse como é possível continuar a gastar quando já se está endividado até o pescoço... Mazarino: - Um simples mortal, claro, quando está coberto de dívidas, vai parar à prisão. Mas o Estado... é diferente!!! Não se pode mandar o Estado para a prisão. Então, ele continua a endividar-se... Todos os Estados o fazem! Colbert: - Ah, sim? Mas como faremos isso, se já criámos todos os impostos imagináveis? Mazarino: - Criando outros. Colbert: - Mas já não podemos lançar mais impostos sobre os pobres. Mazarino: - Sim, é impossível. Colbert: - E sobre os ricos? Mazarino: - Os ricos também não. Eles parariam de gastar. E um rico que gasta faz viver centenas de pobres. Colbert: - Então como faremos? Mazarino: - Colbert! Tu pensas como um queijo, um penico de doente! Há uma quantidade enorme de pessoas entre os ricos e os pobres: as que trabalham sonhando enriquecer, e temendo empobrecer. É sobre essas que devemos lançar mais impostos, cada vez mais, sempre mais! Quanto mais lhes tirarmos, mais elas trabalharão para compensar o que lhes tiramos. Formam um reservatório inesgotável. É a classe média!

8.5.12

em aveiro...

encostado à porta do café que fica quase por baixo do consultório, perna apoiada na parede, o olhar ora para a esquerda ora para a direita, tentando abarcar toda a lourenço peixinho e esperando há meia hora pelo meu irmão que só ia demorar 5 minutos. reparo ao fundo da rua num tipo com aspecto de armário, baixo e entroncado, e à medida que ele se aproxima vou notando que não parece tirar os olhos de mim e estou nisto meio na dúvida entre a intuição e a paranóia, certo de que o tipo ou me assalta ou seguramente me pede moedas ou cigarros ou vai daí se calhar nem me viu. quando vai a passar por mim abranda e desta vez os nossos olhares cruzam-se, mas o tipo passa sem mais novidade e parece ir seguir o seu caminho quando se vira meio indeciso e pergunta entredentes com voz rouca, ioureloste, e eu demoro 1 ou 2 segundos a perceber e sem reacção só consigo esboçar um leve sorriso e um tímido encolher de ombros à medida que abano negativamente a cabeça.

11.4.12

joão

em santiago de compostela,

depois de meia hora a correr feito doido pelos declives brutais dos edifícios da cidade da cultura, ainda sem ter caído e portanto ainda com os dentes todos, chamo-o para a minha beira,

joão, anda cá. olha para esta parte do monte. vês como está cheia de socalcos?
sim.
hummm, espera lá , sabes o que são socalcos?
não.
bom, socalcos, socalcos, são estas plataformas, estes degraus na rocha. vês como é irregular, não é nada lisa.
pois.
bom, e agora olha para a fachada, eh, para a parede do edifício. vês como apesar de ser toda em vidro, também não é lisa, tem degraus, tipo socalcos.
sim.
a ideia do arquitecto que desenhou isto é mesma essa, imitar o aspecto do monte para o edifício ficar bem na paisagem.

num espaço de 1 ou 2 segundos, aprecio enquanto olha para o edifício e depois para o monte e finalmente para mim, e diz com ar seco,
achas tu,
imediatamente antes de virar costas e ir correr mais um bocado.

10.4.12

rita...

em casa dos avós, em conversa com a ana e a amélia

anda lá, rita, são horas de ir embora.
mas eu quero lanchar.
não, lanchas em casa, anda lá.
mas só um iogurtinho...

a amélia abre o frigorífico e todas espreitam lá para dentro e a ana diz,
olha, rita, só há iogurtes naturais. vamos lá para casa e quando chegarmos comes um com sabor a fruta.
não, quero comer já.
rita, vamos ver se nos entendemos. o iogurte é natural, não sabe a nada, ok? e se comeres aqui não comes depois em casa. percebeste?
sim, mãe.
tens a certeza?
sim.

pausa um breve momento e espera que a amélia abra o iogurte e diz,
avó, vai-me buscar uma colher de doce para pôr aqui...

6.3.12

joão

já deitado na cama e a esgotar os últimos cartuchos de conversa antes de ter que adormecer...
pai, sabes aquele saco atrás da pila, sabes, onde estão aquelas bolas?
os testículos.
sim, os testículos. para que servem?
hummm, olha joão, depois explico-te, está bem? agora dorme. boa noite.
ok. boa noite.

viro costas e já vou a descer as escadas quando ele insiste,
pai, mas porque é que eu só tenho um?
porque o outro ainda está dentro do corpo, ainda vai descer.
ah, está bem.
(uns segundos de silêncio...)
pai,
sim joão,
eu às vezes brinco com essas bolas.
hummm, jonas, não faças isso, ok?
mas porquê?
...porque podes-te magoar. e agora dorme, já chega.

rita

acordo e ouço a rita chamar e vou lá tirá-la da cama e enquanto desço as escadas com ela enrolada em mim não consigo evitar o vício diário de inspirar profundamente aquele cheiro único e bom, tão bom, que só o pescoço de um filho parece ter.
senta-se na sanita e faz o seu xixi e depois fica por ali a olhar para mim enquanto espera que acabe a minha vez.
olha curiosa e traquina e diz, repetindo a mesma frase que usa quando me vê sair do banho,
ei, tu tens duas pilas! uma grande e outra pequena.
não, rita. os meninos só tem uma pila.
então, e isso o que é?
é um saco onde estão umas coisas chamadas testículos.
testículos?
sim.
ah, que giro, parece triciclos.

31.1.12

...

outro dia estava eu a tratar de assuntos que ninguém trata por mim e em plena praça central da cidade dou de caras com um grupo de artistas de rua ou performers em estrangeiro. era fricalhada bravia, três deles, e todos estavam de preto e todos tinham piercings e brincos múltiplos e em lugares variados e todos tinham também longos cabelos necessariamente bem pretos e desnecessariamente mal lavados. um tocava viola e cantava e outro fazia malabarismo com 3 claves e não com 3 bolas, o que seria bem mais fácil e bem menos digno de registo, e o último elemento do grupo andava de chapéu preto no meio dos passantes a recolher o vil metal. aqui chegados eis-me sério e impenetrável atrás dos meus novos rayban escuros e quando o gótico do chapéu preto se aproxima abano a cabeça negativamente de forma ligeira e espontâneamente muito cool mas mesmo assim não evito um sorriso ao passar quando o ouço dizer bem disposto:
vá lá, vá lá, uma moedinha a ver se é desta que a gente sai da miséria...
vá lá, que o Sócrates enganou-nos e fugiu para Paris para estudar filosofia.

13.1.12

...

hoje estava numa farmácia aqui perto de casa e já estava farto de esperar pela minha vez e entrou uma velha que com um saber feito de anos e anos de prática lá andava dissimulada na expectativa de me passar à frente e tinha um poncho cor de rosa feio que parecia um cobertor. entraram mais duas velhas na farmácia e uma delas não saía de ao pé da porta e o alarme de entrada não parava de tocar. quando eu já estava de saída entrou ainda mais uma velha e vendo a casa cheia disse alto e bom som eh lá aqui não há crise e logo a seguir cumprimentando uma amiga, vês, rosa, só se vê velhos e doentes, só se vê velhos e doentes.

joão e rita

em casa e em conversa com a ana...

joão- mãe, mãe, hoje marquei um golo no recreio...
rita- ei, isso é mentira...
joão- não é nada, marquei marquei, tu não sabes porque não estavas lá...
rita- pois, eu não vi por isso não aconteceu.
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