os quatro elementos da natureza os quatro pilares da sabedoria os quatro atributos do corpo os quatro cavaleiros do apocalipse

29.3.07

...

Com toda a suavidade de movimentos de que era capaz, rodou lentamente o corpo e sentou-se na berma da cama. Debaixo dos cobertores não se tinha dado conta do frio, teria vindo assim tão de repente?, que fazia no quarto. Estremeceu com um arrepio quando se levantou, nú, tentando habituar os olhos à quase penumbra do espaço. Tropeçou nos seus sapatos castanhos e tacteando encontrou logo ao lado o volume onde conviviam amarrotadas as restantes peças de roupa. Sorriu fugazmente, congratulando-se em silêncio por, mesmo no calor do momento, não se ter esquecido de atirar toda a roupa para o mesmo sítio. Um ligeiro estalido das molas da cama seguido por um leve, quase imperceptível movimento fê-lo parar por instantes. Foi assaltado por uma dúvida, será que ela estava mesmo a dormir ou simplesmente se limitava a fingir para não ter que lidar com ele?, que sacudiu no segundo a seguir com um encolher de ombros que denunciava que isso lhe era totalmente indiferente, desde que pudesse evitar o tremendo desconforto destes momentos.
Abominava em especial a conversa de circunstância, a falsidade de falas e sorrisos, o peso ruídoso dos silêncios incómodos. Para quê dizer à mulher eu depois ligo-te ou havemos de ir jantar um destes dias? Se havia algo que tinha aprendido bem na vida, com aquela dose de dor suficiente para que nunca o pudesse esquecer, era que só vale a pena mentir a alguém se para nós for importante que essa pessoa acredite. Deu facilmente com a porta da rua, as mulheres solteiras costumam viver em casas muito pequenas, saiu e chamou o elevador. Já na rua puxou as abas do casaco para cima, meteu as mãos nos bolsos e avançou, estugando o passo, decidido a enganar o frio que já sentia enquanto se esforçava por relembrar onde encontrar uma paragem de táxis. Um som estranho fê-lo virar a cabeça e a seu lado, sozinho no meio da rua deserta e mal iluminada pela fraca luz dos poucos candeeeiros que ainda funcionavam, um saco de plástico agitava-se ao sabor dos caprichos do vento. Sem saber muito bem porquê deixou-se ficar hipnotizado a observar o inesperado bailado. O saco estava em mau estado, furado, molhado e com as letras que tinha impressas num estado que quase impedia a identificação do supermercado de onde teria vindo. Parecia algo cansado.
Apanhou finalmente um táxi e foi entretendo o motorista com acenos monossilábicos, enquanto ele, satisfeito por ter encontrado um par de ouvidos, discorria livremente sobre um qualquer jogo de futebol.
Só ao entrar em casa é que se lembrou que já não comia há um bom par de horas. Disse olá à gata, que se limitou a levantar ligeiramente a cabeça e a olhá-lo de lado quando ele ligou a luz, e abriu o frigorífico. Das prateleiras, apesar do vazio desconsolado que apresentavam, parecia mesmo assim emanar um cheiro algo desagradável, dos restos da carne que a empregada (como era mesmo o seu nome?) tinha cozinhado na semana passada?.
Resignou-se a comer as 2 fatias de pizza que tinham sobrado do jantar de ontem. Sentou-se no sofá, ligou a televisão e comeu tendo como companhia uma apresentadora americana, muito elegante nas suas calças de lycra, entretida a promover um creme para tirar a celulite do rabo. Desligou e apercebeu-se do seu reflexo a encará-lo a partir do ecrã da televisão. Com alguma surpresa, constatou que aquele, seria mesmo ele?, parecia um homem cansado.

E agora, o Benfica-Porto...

Estamos com a moral em baixo (por estar a disputar taco-a-taco um campeonato que estava praticamente resolvido...), fisicamente de rastos, com Anderson meio manco, com Helton à beira de um ataque de nervos, sem Lisandro (suspiro...), com um Lucho quase nulo e quase sem avançados de jeito, provavelmente equipados com aquela imbecilidade laranja que faz as vezes de farda alternativa, enfim, o rosário é longo e penoso.
Por outro lado, eles estão entusiasmados, eles estão em boa forma, eles têm a onda vermelha e um estádio cheio, eles são o "maior clube do mundo".
Óptimo. Da forma como as coisas estão só mesmo este tipo de desafio para despertar o Porto da estranha letargia em que temos (sobre)vivido.

O meu 11 e demais sugestões:

V. Baía, Fucile, Bruno Alves, Pepe, Cech, P.Assunção, R.Meireles, Bosingwa, Lucho, Quaresma, Adriano.

adenda 1- com Anderson pronto a entrar na 2ª parte,
adenda 2- com Bruno Moraes e Alan em casa a tentarem fintar-se um ao outro,
adenda 3- com Jorginho, Vieirinha, Renteria e Postiga (suspiro...) como eventuais opções de ataque,

27.3.07

"Purity Balls"

Começaram em 1998 e são cerimónias tipo casamento, com vestimentas a rigor, limusinas, baile de gala, troca de votos, etc e tal. O pormenor que marca toda a diferença é que não há noivos e noivas, mas sim pais e filhas.
Entre os cristãos conservadores dos EUA, esse simpático grupo de crescente influência que ao fim e ao cabo tantas coisas boas tem trazido à humanidade, (Bush Jr, o Creacionismo,...) continua a aparentemente imparável caminhada para a pureza absoluta e vai daí começa a tornar-se moda esta troca de votos em que o enlevado paizinho promete à adorada filhota que irá ser fiel à mulher, manter uma mente pura e não recorrer ao uso de pornografia e esta por sua vez promete ao progenitor que se manterá virgem até ao casamento. É opcional a colocação de um "purity ring" ou uma "chastity bracelet" no dedito ou bracito da petiz, sendo que no dia da consumação do casamento a santinha as deverá entregar ao marido!

p.s.1- Freud deve estar a rir-se que nem um perdido...

p.s.2- Estima-se que em 2006 tenham ocorrido perto de 1 400 Purity Balls nos EUA e em 2007 a cifra deve duplicar. Isto num país em que o Governo já gasta 206 milhões de dólares/ano na promoção das campanhas de abstinência sexual nas escolas.

p.s.3- Um estudo conduzido por investigadores das Universidades de Columbia e Yale mostra que 88% das miúdas que assumem o compromisso de pureza acabam por ter sexo antes do casamento, muitas vezes de forma não protegida.

26.3.07

Momento bolo-rei

Por iniciativa de Cavaco Silva hoje há um debate no Palácio de Belém para marcar os 50 anos do Tratado de Roma. O nosso PR decidiu convidar "todos os ex-ministros dos Negócios Estrangeiros, todos os ex-secretários de Estado da Integração Europeia, todos os comissários portugueses nas instâncias comunitárias, todos os embaixadores na Representação Permanente em Bruxelas e todos os altos funcionários e directores-gerais que estiveram na Comissão."
Segundo Cavaco a ideia é «homenagear os funcionários executivos que criaram condições para uma boa adesão e o bom desempenho que se seguiu».

Tudo muito correcto e tudo politicamente irrelevante como é costume neste tipo de datas.
Mas excluir Mário Soares, e ainda para mais tentar justificar a coisa com estes critérios "muito claros"? É uma actitude deselegante e imprópria para um PR.

P.S.- E não. O facto de Mário Soares ter tido uma série de intervenções e comportamentos incorrectos para com Cavaco, não só durante a campanha como também já depois de ele ser o PR, não justifica este castigo...

23.3.07

"Oxalá cresçam pitangas"

"A alegria, o ritmo, a graça e a desgraça de viver em Luanda."
Ontem à noite na RTP 2, histórias de vidas duras, repletas de drama, mas ao mesmo tempo de uma esperança e de um optimismo que nos faz sorrir. Sem narrador, só as pessoas e os seus olhos grandes e pretos a falar para a câmara.
As crianças que passam os seus dias a tomar conta dos irmãos mais novos porque o pai ou a mãe vão tentar ganhar o pão do dia vendendo nas feiras e nas ruas da grande cidade.
A adolescente que na escola se esforça por dominar as regras da tabuada e da divisão enquanto dá de mamar ao seu bébe.
As amigas que conversam animadas numa esplanada improvisada na areia de uma praia na baía de Luanda tendo ao fundo um gigantesco navio de cruzeiros deixado ali para morrer.
O tipo que nos fala da forma de ser dos angolanos (da maneira como julgam os outros povos desde os portugueses que são tugas aos sul africanos que são feios) e da sensação de superioridade sobre os restantes africanos e de inferioridade perante os europeus.
O taxista que com um brilho de felicidade nos olhos conta que ao acabar o seu dia de trabalho a primeira coisa que faz é correr para casa para estar com o seu filho e a sua futura mulher, e que sempre quis ter um filho aos 25 anos porque é uma idade em que já se é adulto mas ainda se é suficientemente criança para brincar com ele.
Enfim, um grande documentário.

15.3.07

Casal do ano.



Ou a história do amor impossível entre um cigano de brinco na orelha e um tipo de fato gravata e cabelo risco ao meio.

14.3.07

Sementem ut feceris, ita metes. (ou cada um colhe conforme semeia...)

Apesar de ser ateu, se bem que baptizado, sempre tive um interesse particular pela Igreja e pelas suas posições.
Talvez por ser verdade que a longuíssima herança histórica e os chamados valores cristãos difundidos pela Igreja Católica Apostólica Romana (ICAR) explicam em grande parte aquilo que somos enquanto sociedade, com os defeitos e as virtudes a isso naturalmente inerentes.

Vem isto a propósito do documento Sacramentum Caritatis, onde o Papa Bento XVI se debruçou sobre a eucaristia, deixando recomendações a fiéis e a sacerdotes. Se estes últimos ficam a saber que o celibato continuará a ser obrigatório (tomando como exemplo a "virgindade" (??) de Cristo), os primeiros confirmam sem grande surpresa que os divorciados católicos que voltem a casar continuam a estar proibidos de comungar. São sem dúvida temas interessantes, mas a verdadeira novidade do documento é a sugestão (não será mais instrução?) para que nas eucaristias de maior dimensão se recuperem práticas antigas como o canto gregoriano e as liturgias em latim.
Ora, nas poucas missas a que vou assistindo confesso que uma das coisas que pior impressão me causa é a nítida sensação que muitos dos crentes se limitam a repetir mecanicamente e entredentes o ritual de termos e orações, com evidente prejuízo para a espiritualidade que julgo ser o objectivo pretendido. Sugerir, com o recurso a uma língua morta e enterrada, o regresso a um tempo em que a Igreja cultivava um distanciamento formal entre sacerdote e congregação parece-me claramente um erro. Não duvido que alguns possam ver nisto um misto de coerência, uma tentativa de unificar de alguma forma as celebrações nos diferentes países ou até uma forma de a ICAR não deixar diluir os seus valores, mas se o caminho é esse então qual será o passo seguinte: voltamos a ter o senhor padre de costas para os fiéis?
Pela fé, pelos valores, enfim pelo peso que ainda tem nas mentes e opiniões de muitos, a Igreja continua a ser nos difíceis tempos que correm uma instituição importante. Fechar-se desta forma numa trincheira pode assegurar a sua sobrevivência mas duvido que a longo prazo se revele benéfico tanto para a ICAR como para a sociedade.
De qualquer forma, e para que tenham uma noção daquilo que está em cima da mesa, sai um Pai Nosso para irem decorando:

Pater noster, Qui es in caelis,
sanctificetur nomem tuum. Adveniat regnum tuum.
Fiat voluntas tua, sicut in caelo et in terra.
Panen nostrum quotidianum da nobis hodie.

Et dimitte nobis debita nostra, sicut et
nos dimittimus debitoribus nostri.
Et ne nos inducas in tentationem: sed libera nos a malo.

Amen.

13.3.07

Substituíram pontos de interrogação por pontos de exclamação...

Um homem muito rico, estava muito doente e à beira da morte. Pediu papel e caneta, e escreveu o seguinte:

DEIXO MEUS BENS À MINHA IRMÃ NÃO A MEU SOBRINHO JAMAIS SERÁ PAGA A CONTA DO ALFAIATE NADA DOU AOS POBRES

Morreu antes de fazer a pontuação. Para quem deixou ele a fortuna? Eram quatro os concorrentes:

1) O sobrinho fez a seguinte pontuação:
Deixo meus bens à minha irmã ? Não! A meu sobrinho. Jamais será paga a conta do alfaiate. Nada dou aos pobres."

2) A irmã chegou em seguida e pontuou assim o que estava escrito:
"Deixo meus bens à minha irmã. Não a meu sobrinho. Jamais será paga a conta do alfaiate. Nada dou aos pobres."

3) O alfaiate pediu uma cópia do original e puxou a brasa à sardinha dele:
"Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do alfaiate. Nada dou aos pobres."

4) Então, chegaram os descamisados da cidade. Um deles, sabichão, fez a seguinte interpretação:
"Deixo meus bens à minha irmã? Não! A meu sobrinho? Jamais! Será paga a conta do alfaiate? Nada! Dou aos pobres."

O Sr. Hans Blix em entrevista ao "Independent" sugeriu que o Sr. Tony Blair e o Sr. George W. Bush fizeram um exercício semelhante para justificar a acção sobre o Iraque.

8.3.07

Uma ideia perigosa.


"A petição contra a criação do Museu de Salazar em Santa Comba Dão, que começou a circular no passado sábado, reuniu já 3.500 assinaturas na Internet, segundo a União dos Resistentes Anti-Fascistas Portugueses (URAP)."


Nunca vivi em ditadura. Direi mesmo que as únicas pessoas que exerceram verdadeira autoridade sobre mim em determinada fase da vida foram os meus pais, mas duvido que ser obrigado a comer a sopa até ao fim e ir para a cama depois do vitinho se possa comparar a viver num regime de opressão.
Admito por isso que me falte tarimba, experiência, quem sabe até maturidade e consciência política para opinar correctamente sobre este tema, mas isso é não só completamente irrelevante como constitui mesmo a beleza singular de viver em democracia. Mais do que a revolução do proletariado ou as conquistas dos trabalhadores, parece-me que o direito à opinião livre é a grande vitória de Abril. E esse direito, mesmo não sendo absoluto, não deve estar sujeito à visão das maiorias e muito menos a condicionalismos legais.
Consequentemente, aceito embora sem concordar que Salazar ou Cunhal possam ganhar um qualquer concurso televisivo e aceito embora sem perceber que haja indivíduos que insistem em endeusar os méritos de um regime que assegurava ordem a troco da liberdade individual de cada um. Tudo isto implica que também aceito com naturalidade que uma organização como a URAP sirva, 30 anos depois, para algo mais que jantares comemorativos onde se matam as saudades e se exibem as comendas. Que a URAP esteja contra a ideia de um museu de suposta glorificação de Salazar não é mais que uma atitude coerente. O que já me custa um pouco mais a perceber é que essa luta passe por uma tentativa de proibir por lei que isso possa acontecer. Aceito, mesmo sem compreender, que alguém goste de Salazar ou que preferisse até viver numa sociedade como a de então.
O perigo é que não aceitar agora este museu é estar a abrir a porta para que no futuro alguém se ache no direito de nos impor as opiniões e os gostos pessoais da maioria da altura.
Liberdade implica sempre o direito à subjectividade de apreciação, tanto do presente como do futuro.

Como????

E Guantanamo? E o Patrioct Act? E as famosas técnicas de interrogatório?
Haja paciência...



7.3.07

Em resumo

A Trivela...e pouco mais

O Traidor involuntário

O "e se..." que fica no ar


6.3.07

Verdades inconvenientes. Parte II.

Não duvido que alguns ainda olhem desconfiados para o cenário catastrofista que os ambientalistas pintam, acusando-os de exagero e de extrapolação abusiva de dados cientifícos e atribuindo os avisos de perigo eminente aos interesses de um suposto "lobby". De tempos a tempos vão saindo nos media globais com o devido destaque estratégico notícias dando conta de teorias contrárias à tese da influência humana no aquecimento do planeta, tentando semear a dúvida na opinião pública e justificar nem que seja só por mais uns aninhos novos investimentos em energias fósseis. Não surpreende que determinadas empresas com conhecidas ligações à administração Bush ofereçam muito dinheiro para que algum cientista mais ou menos renomado associe o seu nome a um qualquer relatório que mostre que por exemplo afinal não há mal nenhum em explorar os lençóis de petróleo do Alasca. A "nova corrida ao ouro" decorrente do degelo do Ártico enquadra-se nesta forma de encarar o mundo, nesta falsa segurança de que é seguramente impossível que o planeta mude ao ponto de ameaçar se não a espécie humana pelo menos o modo de vida que atingimos.

Há nesta fase 3 possibilidades, 3 pontos de viragem a que os cientistas mais importantes, ou pelo menos uma grande maioria deles, prestam mais atenção. Não são cenários fantasiosos mas sim acontecimentos possíveis com capacidade para criar um planeta diferente, alterando totalmente o nosso modo de vida enquanto sociedades organizadas.

1- colapso da Corrente do Golfo
2- destruição das florestas tropicais húmidas da Amazónia
3- libertação de metano armazenado no leito dos oceanos (clatratos)

Não vou falar sobre cada um destes cenários, mas diga-se só en passant que o 2 já está a acontecer a ritmo acelerado (é um facto), que o 1 pode ocorrer ainda neste século com o aumento de água doce proveniente do degelo do Ártico e que o cenário nº3 já terá acontecido na história do planeta tendo provavelmente sido responsável pelo maior episódio de extinção de sempre.

Enquanto os políticos que elegemos (e consequentemente merecemos) forem fazendo ouvidos de mercador a tudo isto, resta-nos a acção individual: usar lâmpadas e electrodomésticos de baixo consumo, reciclar, usar os transportes públicos, comprar carros híbridos, instalar painéis solares, chuveiros de qualidade, etc...
Devemos fazer um esforço para fazer pelo menos algumas destas coisas e devemos acima de tudo passar a mensagem a outros.


...informação científica tirada do livro "Os senhores do tempo" de Tim Flannery...

Ennio Morricone

Foi preciso que Hollywood lhe desse um Óscar honorário (como é possível que nunca tivesse ganho um antes??) e que o Expresso falasse sobre ele para que eu me lembrasse de ir pesquisar algumas das suas músicas.
Ficam de fora outros, mas estes 3 exemplos já mostram que o homem é de facto um génio. Grandes músicas para grandes filmes.

"Cinema Paraíso"


"O Bom, o mau e o vilão"


"Aconteceu no Oeste"

2.3.07

Verdades inconvenientes. Parte I.

As alterações climáticas estão na moda. Depois de algumas conferências mundiais cheias de boas intenções e retórica que sem surpresa resultaram numa mão cheia de nada, a comunidade internacional lá se entendeu e surgiu o protocolo de Quioto. Mesmo enjeitado por alguns dos países mais poluentes (EUA e Austrália) e tratado como filho bastardo por outros que publicamente o assinaram e prometeram cumprir (veja-se o nosso triste exemplo), Quioto foi um marco importante e representa uma esperança na possibilidade de entendimentos futuros que, como é quase consensual na comunidade científica, terão forçosamente de ser muito mais ambiciosos.
Lenta mas inexoravelmente começam a diluir-se as mais antigas resistências ao papel decisivo do Homem na alteração do clima do planeta e suas respectivas consequências, a par e passo com uma maior incidência e gravidade das catástrofes naturais (secas extremas num lado, chuvas torrenciais noutro, furacões, cheias, etc...). A consciencialização da opinião pública é cada vez mais um facto, ou melhor uma autêntica bola de neve, colocando as pessoas prontas para apoiar políticas (e políticos) amigas do ambiente. As frases bonitas deixaram de ser do estilo temos de salvar o urso polar para que os nossos filhos possam usufruir e passaram, finalmente, a ser temos de salvar o planeta para podermos sobreviver.
Vem isto a propósito de um artigo no Público (de 28.2, no Caderno P2) sobre o degelo do Oceano Polar Árctico. Ao ver o título confesso que pensei que ia ler mais uma série de alertas sobre os perigos inerentes a este cenário, como o aumento do nível do mar e do efeito de estufa por libertação de metano, o fim da forma de vida dos Inuit (esquimós) e até mesmo a extinção do urso polar. Mas se é verdade que os últimos parágrafos alertavam para estas consequências, não deixou de ser um choque constatar que o tema principal do artigo eram as possibilidades económicas que o degelo do Ártico vem abrir. Países como o Canadá, EUA, Rússia, Dinamarca e Noruega já estão a posicionar-se estrategica e politicamente numa "nova corrida ao ouro" tratando de garantir direitos sobre esta nova via de transporte de mercadorias, a "Passagem do Noroeste", potencialmente navegável já em 2040 e capaz de rivalizar com o Canal do Panamá porque diminui a distância entre a Europa e a Ásia em cerca de 8 000 Km.
Lutam também pela promessa de petróleo (supostamente 1/4 !! das reservas mundiais ainda por explorar) e gás natural, por novas explorações de minerais e diamantes e por valiosas zonas pesqueiras de salmão e bacalhau.
É um cenário quase inacreditável e permite perceber melhor os motivos por detrás desta atitude no mínimo dúplice. Sim, sim, estamos cada vez mais preocupados com as alterações climáticas, comprometemo-nos a investir em energias renováveis, diminuindo o recurso ao petróleo, carvão e outras coisas tais, mas não deixamos de estar a esfregar as mãos de contente pelas oportunidades que o início do fim pode trazer.
continua...

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