os quatro elementos da natureza os quatro pilares da sabedoria os quatro atributos do corpo os quatro cavaleiros do apocalipse

16.8.07

Entrevista interessantíssima do economista Silva Lopes no Diario económico de hoje. Destaco alguns excertos mais certeiros e polémicos...

"Essa questão dos centros de decisão nacional é um falso problema, uma hipocrisia. O Totta é um bom exemplo: fez a fortuna de Champalimaud, de Roquette e de mais alguns. E nas mãos do Santander traz mais problemas à economia portuguesa do que quando pertencia a Champalimaud? Penso que não. Até é um banco mais eficiente. Hoje não há centros de decisão nacional. É engraçado ver que algumas pessoas que assinaram aquele manifesto venderam depois as suas empresas. A privatização do Totta é um bom exemplo.

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Não é viável a perspectiva do ministro das Finanças de que o regresso da convergência será em 2009?
É possível… É conhecido que sou pessimista. O comportamento das exportações o ano passado surpreendeu-me um bocado. Mas também temos de colocar a questão em perspectiva, porque em 2006 ainda perdemos alguma quota de mercado, o que acontece desde 1990. Nas exportações e no mercado interno estamos a perder quota de mercado há mais de 15 anos. Não soubemos reagir a este movimento de globalização, de liberalização e de entrada dos novos membros na UE.

O Banco de Portugal revela que o perfil das exportações se tem alterado…
Estamos a registar alguma melhoria na composição das exportações, com mais tecnologia, mas tudo isso ainda tem pouco peso. A grande fonte que tínhamos de vendas para o exterior era o investimento estrangeiro orientado para a exportação. E como temos visto muitos deles têm saído do país. Vão surgindo novos mas não sabemos qual é o peso dos subsídios dados pelo Estado nem o valor acrescentado nacional que criam.

Mas qual a importância disso desde que se crie valor acrescentado?
Mas que valor acrescentado é que vai criar? Duzentos empregados, eventualmente. O resto é tudo estrangeiro: o capital, os equipamentos, os lucros vão para o exterior… O que fica cá? Nem sequer os impostos, fica apenas a remuneração dos empregados. Qual é a relação entre este valor acrescentado e o subsídio que se deu? Este tipo de análise não se faz, não é parte da propaganda oficial…

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Qual é a sua opinião sobre o projecto do TGV (comboio de alta velocidade)?
No caso do TGV para o Porto nem é preciso estudos económicos. Devemos adiar o projecto. Segundo se afirma vamos ganhar 20 minutos em relação à linha actual. Não vejo qualquer vantagem económica em gastar aqueles mil milhões todos para isso. Ainda por cima depois de se terem gasto já mil milhões de euros na linha do Norte. O que não quer dizer que daqui a dez anos, com mais crescimento económico, não se possa fazer. Não fecho a ideia até porque sou um fã de comboios.

Devia-se dar prioridade à ligação entre Lisboa e Madrid?
Essa ligação é mais por razões de prestígio nacional do que de cálculo económico. Não acredito que vamos ter um tráfego para Madrid que possa tornar a linha rentável a curto prazo. Sou a favor porque será integrada numa rede de transportes europeus e o orgulho nacional ficaria afectado se a linha de TGV acabasse em Badajoz. E, como seja qual for a solução, para o aeroporto é preciso fazer um TGV, prolonga-se até à fronteira.

Não existem razões económicas? Facilita a integração ibérica, há muitos portugueses a trabalhar em Espanha e espanhóis em Portugal…
Não acredito que o TGV possa oferecer preços parecidos com os das companhias aéreas de ‘low cost’. O que é fundamental é uma rede de bitola europeia para mercadorias. Há quem afirme que o TGV, sendo bitola europeia e não sendo rentável para passageiros, será usado para mercadorias. Mas as mercadorias não precisam de TGV. Precisam é de bitola europeia.

O que pensa do debate sobre as alternativas à Ota?
É um tema tão complexo. Tenho-me guiado pelo que os engenheiros vão dizendo. E, como em todas as profissões, dizem coisas diferentes. Convenceram-me de que é preciso outro aeroporto. Na Ota, o que dizem os engenheiros, é que tem custos monstruosos de remoção de solos e o problema de não poder ser ampliado. Se isto é verdade, a escolha da Ota é um disparate. Nem percebo porque se andou a perder tanto tempo com aquilo. Se Alcochete resolver o problema, deve escolher-se essa localização.

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Pensa que em Portugal existiu uma inversão de valores, um excesso de valorização de casas, automóveis…
Temos uma tradição de valorizar pouco a educação. Em 1960 tínhamos taxas de analfabetismo que os outros países europeus já tinha reduzido para valores mais baixos um século antes. Neste domínio andamos cem anos atrasados. Ultimamente aumentámos o número de alunos, produzimos universitários de um nível muito elevado. Em valor absoluto, comparativamente ao passado, estamos muito melhor. Infelizmente muitos dos bons ficam lá fora. Os portugueses hoje mandam os filhos para a escola, antes não o faziam. Mas não é para aprender é para tirar o canudo. Os pais agridem os professores porque não passam os filhos.

Não se valoriza o conhecimento…
Entre os emigrantes, por exemplo, os portugueses mandam menos os filhos para a universidade que as outras comunidades. Há qualquer coisa de atávico de não valorizar o conhecimento, a formação. O resultado é que temos a população activa da Europa com menos qualificações. E se olharmos para outros países europeus… A Grécia e a Espanha estavam atrasados e ainda estão. Mas se compararmos o progresso deles com o nosso vemos a diferença. Ando a dizer isto há muitos anos. O problema do ensino é a maior vergonha nacional. E é por causa da qualidade. O ensino tem sido governado por grupos de interesses e não pelo interesse nacional. Os pedagogos… Por exemplo, sem exames não conseguimos andar para a frente. Há alguns alunos universitários que não sabem somar um meio com um terço.

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E a política que esta ministra da Educação está a seguir?
Esta ministra da Educação já tomou medidas muito positivas, mas não fez tanto quanto devia fazer. Tem sido muito atacada, o que é bom sinal. Os ministros que mais admiro no Governo são os que aparecem no fim da classificação na opinião pública. Os ministros da Saúde, da Educação e das Finanças…

O ministro da Saúde não tem falhado na explicação das reformas?
Se calhar quem tem falhado somos todos nós, não é só o ministro. Quando a imprensa o critica porque fechou uma maternidade, deve perceber o que se pode fazer com o que se poupa por isso: melhorar outra maternidade. Por exemplo, aqueles centros de saúde que estavam abertos sempre, durante a noite ia lá uma pessoa ou outra por semana e estavam lá um médico e uma enfermeira, com certeza a dormir, e durante o dia faltavam médicos. Acabou-se com o período nocturno e o diurno é mais eficaz. Toda a gente pensa que o orçamento é um saco sem fundo. Não pode ser. O problema da saúde vai ser o mais grave no futuro. Vamos ter de limitar o apoio sanitário às famílias portuguesas. As pessoas não gostam, mas tem de ser. Não há dinheiro.

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Não concorda com a baixa de impostos se a situação orçamental melhorar?
De maneira nenhuma. Mesmo que a situação orçamental melhore, há duas rubricas que aumentarão sempre: a segurança social e a saúde. Na educação já se cortou despesa mas provavelmente ainda se pode poupar mais alguma coisa. Assim como ainda se podem cortar despesas em muitos serviços públicos com pessoal a mais. Mas se olharmos para o que gastamos em segurança social comparativamente a outros países europeus, e com o que está a acontecer à mortalidade e natalidade, verificamos que a despesa vai ter de aumentar. Mesmo com as medidas já tomadas na segurança social, uma das mais importantes adoptadas por este Governo.

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Esta eficácia fiscal não começa a violar alguns direitos dos contribuintes?
Considero que o interesse colectivo está à frente do interesse individual. Discordo destas questões que se levantam sobre o sigilo bancário. Como acontece noutros países, o fisco devia poder fiscalizar as contas bancárias de forma automática. Não deve é ser qualquer um a ver as contas, têm de ser pessoas credenciadas para esse efeito. E além disso tem de haver um processo rápido para se protestar contra ingerências abusivas do fisco.

Pensa que foi o resultado do trabalho desenvolvido pelo director-geral Paulo Macedo que deixou agora a função?
Claro.

Pensa que é injusto não ser possível pagar-lhe o salário que tinha?
Injusto não é a palavra. Do ponto de vista da eficácia económica, merecia aquele salário e até mais. Quando pertenci àquela Comissão para o Desenvolvimento da Reforma Fiscal defendi e escrevi que o director geral dos impostos dirigia a empresa mais importante de Portugal e como tal devia ganhar mais que o presidente do BCP. Nós em Portugal pagamos muito mal a uns e excessivamente bem a outros.

Concorda também com o que disse Paulo Macedo de que o primeiro-ministro e o presidente da república ganham muito pouco?
Sim, concordo. E ganham muito pouco porque há muitos que ganham de mais no sector privado. Paulo Macedo também disse isso. Qualquer dirigente de topo ou mesmo intermédio em algumas empresas ganha mais que o Presidente da República.

Mas também não há iniciativa empresarial?
Não há, mas se tivéssemos massa crítica os estrangeiros vinham para cá. Neste momento não nos podemos queixar da falta de iniciativa empresarial. Tenho uma grande admiração pelas pequenas e médias empresas que exportam. São os heróis da economia portuguesa, pessoas da indústria anónimas – com excepção de Américo Amorim que exporta cortiça e Belmiro de Azevedo com a madeira, os grandes grupos não exportam nada. Quem exporta em Portugal são as multinacionais e as pequenas e médias empresas. Mas esses não são famosos. Famosos são os que especulam na bolsa.

A política das contas públicas está no bom caminho?
O que está a acontecer nas contas públicas ultrapassa as minhas expectativas. Não pensei que se pudesse fazer tanto. Gostava que se fizesse mais mas penso que o que se tem feito é notável. É preciso fazer mais nomeadamente na reforma do Estado que por vezes parece que está a enfraquecer.

O ritmo das reformas não vai abrandar por entrarmos na segunda parte do mandato?
Não sei. O primeiro-ministro, apesar de ser muito atacado, continua a ter uma posição muito forte nas sondagens. Os portugueses não desgostam de alguém com capacidade de decisão. E como as suas decisões são em geral correctas… Foi uma grande surpresa para mim o facto de manter a popularidade, apesar das medidas difíceis que tomou. Espero que continue assim.

Não considera que existe alguma arrogância no governo, como afirma Mário Soares? Ou sintomas de autoritarismo?
Não. Admito que possa haver um caso ou outro. Mas fazer disso o que é mais importante… não. Não estou preocupado com isso. Preocupa-me mais a transformação económica e social, nomeadamente no sector público. O que têm feito é notável. Embora considere que se tem de fazer mais."

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2 comentários:

Anónimo disse...

"Excelente entrevista! Muitissimo interessante... Muito obrigado Dr. Silva Lopes, a sua intervenção e as suas opiniões fazem tanta falta ao nosso pais..."

Anónimo disse...

Hei! JB!
Obrigado por teres posto isto aqui! Não costumo ir ao Diário económico!
Estou a 100% com o entrevistado!
Mas... eu não acredito em mudanças sociais com eficácia a 10 anos.
Há modos de estar impeditivos de progresso.
O "marialva", o "chico esperto", os "direitos adquiridos", o "eu, fiz merda, mas aquele ali também fez e ninguém lhe disse nada" estão tão radicados na população, e vão ser precisas décadas para criar a massa crítica necessária para que a desresponsabilização social que nos caracteriza tenha a expressão da de uma sociedade desenvolvida!.

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