os quatro elementos da natureza os quatro pilares da sabedoria os quatro atributos do corpo os quatro cavaleiros do apocalipse

25.4.07

A reminiscência comunista em Portugal e outra considerações que tais...

"Durante os últimos três anos tenho visitado Portugal com alguma frequência questionando-me, muitas vezes, se este é um país normal. A título de curiosidade, posso afirmar que nasci e passei toda a minha vida em Espanha, sendo que, numa altura em que o país se encontra sob a batuta de Zapatero, estou inclinado a dizer que o meu país também não é normal. Assim sendo, estamos empatados. Começando por Portugal, quero expressar que existem alguns aspectos deste rectângulo acolhedor que me incomodam ligeiramente. O primeiro é a reminiscência comunista. O segundo, a hipocrisia dominante. É um facto insólito na Europa que o principal sindicato de Portugal continue a defender a propriedade pública dos meios de produção e dos serviços, que seja reticente perante o mercado e que se comporte como um activista anti-sistema – ao ponto da CGTP ter convocado uma greve geral contra o Governo de Sócrates, que se por alguma coisa se destaca é pela falta de ambição capitalista. A minha opinião acerca dos sindicatos portugueses, espanhóis e outros em geral é muito clara: são um cancro, um dos tumores que impedem o crescimento da economia, que minam o bem-estar dos cidadãos e do progresso social. Estes vivem, fundamentalmente, da subvenção publica, possuem uma representatividade marginal – porque, pelo menos em Espanha, o número de pessoas sindicalizadas é mínimo, sendo poucos os que pagam as respectivas quotas –, e apenas se preocupam em defender o ‘statu quo’: primeiro o seu emprego, que consiste basicamente em protestar e opor-se a tudo, e depois os de quem os têm e querem conservá-los a todo o custo, numa selva laboral mais hostil que nunca. O resultado é óbvio: graves prejuízos para os jovens, estudantes, imigrantes, ou seja, para todos os grupos que não estão instalados.

Antes também já referi, arriscando a minha reputação e talvez pecando por frivolidade, que este é um país frequentemente hipócrita. Levamos quase um mês a discutir o título académico de Sócrates e as eventuais irregularidades que rodeiam a sua licenciatura, despendendo bastante mais energia do que a necessária. Portugal é um país católico. Os políticos mentem mais do que falam - como se comenta em Espanha. Mas a nossa religião já resolveu este dilema. Primeiro mente-se, depois confessamo-nos fazendo actos de contrição, e o padre absolve-nos dos nossos pecados livrando-nos da penitência; se formos perseverantes comungamos, e depois voltamos a mentir porque a natureza humana não tem remédio, gozando a política de uma insanidade muito maior. Com tudo isto pretendo dizer que em Portugal, à semelhança do que acontece em Espanha, a mentira é um pecado venial e perfeitamente corrigível - uma situação completamente diferente da que se vive no mundo anglo-saxónico.

Concluindo e resumindo, vamos deixar de perder tempo a descobrir se o senhor Sócrates é, ou não, engenheiro. Como sou espanhol consigo perceber perfeitamente o cariz jocoso do assunto. Zapatero, por exemplo, que tem a sua licenciatura em Direito perfeitamente acreditada, passou vinte anos como deputado em Madrid a carregar num botão – SIM ou NÃO. Apesar deste ‘curriculum vitae’ espectacular hoje é, infelizmente para o país, o primeiro-ministro de Espanha. Percebo perfeitamente que esta seja uma situação difícil de aceitar por todas as pessoas honestas, mas bastante melhor preparadas, que desejariam ter um timoneiro bem mais capaz. ‘But it’s life’. Em Portugal, o facto irrefutável é que Sócrates é o primeiro-ministro. Deve ser julgado pelos seus actos, deixando de lado os seus títulos académicos. Portugal tem inúmeros desafios pela frente e vai passar muito tempo, caso se dedique a vencê-los, até que voltem a conjugar-se circunstâncias tão propícias e favoráveis: um Governo de maioria absoluta, um primeiro-ministro extremamente popular, uma oposição muito frágil e um país convencido – se bem que ainda reticente e preocupado –, da necessidade de reformas. Catolicamente falando, seria um pecado capital que Sócrates incorresse na passividade, na indolência, no comodismo e no pragmatismo.

Portugal é um país muito pequeno, com uma grande história, que navega entre duas águas. Uma é a que reflecte o recente relatório de Vítor Constâncio, o Governador do Banco de Portugal, estimulando a ambição reformista, destacando as deficiências da economia e da sociedade portuguesa – no mercado laboral, na educação, na Administração Pública. No outro lado encontra-se o sindicalismo comunista rançoso, a resistência à mudança profunda de Portugal, e quem sabe se do pragmatismo calculista do socialismo de Sócrates, talvez mais dependente de governar durante os próximos quatros anos do que aproveitar os que ainda lhe restam. Seria uma pena."

Miguel Angel Belloso, Ex-director do “Expansión”
in Diario Economico

P.S. 1 - Para contextualizar este artigo note-se que Miguel Angel Belloso é assumidamente de direita (possivelmente, da dita direita "conservadora", "ultra-liberal" e "reaccionária"). O artigo suscitou algumas fortes reacções contrárias por parte de alguns cibernautas que podem ser lidas aqui

1 comentário:

wolverine disse...

Quanto à "reminiscência comunista" e à "hipocrisia dominante" estou 100% de acordo.
É aliás algo absolutamente óbvio se nos dermos ao trabalho de comparar as posições da CGTP (ainda e sempre a voz do dono) com por exemplo a atitude das plataformas sindicais na Alemanha que mostram compreender que o mundo não é uma realidade imutável e que há uma grande diferença entre o conceito de trabalho e o de emprego.
Julgo também que neste, como em outros campos, estamos a sofrer um pouco os defeitos que importamos da França que serviu de modelo a muitos dos nossos políticos, sendo que esse é também um país quase impossível de reformar.

Quanto às "circunstâncias tão propícias e favoráveis: um Governo de maioria absoluta, um primeiro-ministro extremamente popular,...", não posso deixar de salientar aquilo que me parece ser uma postura algo demagógica por parte do PSD, visto que se tem entretido em alimentar polémicas estéreis e em criticar numa postura alinhada com o BE e o PCP algumas das tímidas medidas reformistas do governo. (no fundo quase o mesmo que o PS faz quando é oposição mas, enfim, não deixa de ser triste...)

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