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12.2.06

O país real

Há poucos dias o futuro ex-Presidente da República Jorge Sampaio fez a sua última tournée ou presidência aberta, como se convencionou chamar àquelas passeatas. Não vou entrar na discussão que ouvi em alguns programas radiofónicos sobre a utilidade ou não das ditas, mas à laia de resumo posso adiantar que o único exemplo de utilidade prática que os participantes foram capazes de apontar ad nauseum em 10 anos de vá para fora cá dentro do PR, foi o caso das duas miúdas transmontanas que iam abandonar a escola por falta de transporte e agora, aleluia milagre digno da virgem, ei-las a cursar o ensino superior, que aliás de superior só tem o nome mas isso serão contas de outro rosário.
Aquilo que verdadeiramente me espicaçou a verve, tantas vezes fácil e inconsequente, foram as referências àquela difusa entidade, o "país real".
Sim, porque não há político que se preze que tendo oportunidade de se apanhar na rua, ao ar livre, na inauguração de mais uma rotunda, fontanário ou estatueta de ídolo local, não apregoe aos 4 ventos e preferencialmente aos microfones que lhe puserem à frente, o seu amor ao país real, normalmente acompanhado por um estudado desdém aos corredores e gabinetes de "lisboa". Ah, eles amam o contacto com o p-o-v-o, distribuem bacalhaus pelos homens e beijos repenicados e sonoros nas bochechas rosadas das velhinhas que se lhes penduram nos pescoços, sem esquecer as crianças que invariavelmente aparecem à mão de semear para a foto da praxe no colo do sempre sorridente político. Eles são como nós, de carne e de osso feitos, e esperam que esta evidência lhes garanta mais um voto, já que grão a grão...
Bom, mas voltando à vaca fria (?) o que eu tencionava mesmo era discorrer sobre o "país real" e assim sendo cá vai um exercício que é uma óbvia generalização com todos os defeitos daí decorrentes e que aviso desde já será constituído por partes iguais de pragmatismo, pedantismo, snobismo e talvez outros ismos que agora não me ocorrem.
Definir o país real? O país real gosta de se deitar tarde, de se levantar ainda mais tarde e depois gosta de ir para os cafés discutir porque é que o País não vai p'rá frente (palmilha dentada dixit). O país real vive à procura de um emprego mas recusa um trabalho. Adora criticar os funcionários públicos "essa cambada de privilegiados" mas está sempre em busca da cunha que lhe permita tornar-se um deles. O país real conduz mal, não paga impostos e reclama subsídios. Está sempre pronto a sacar do coldre da inveja o dedo acusador. Bloqueia estradas, fecha escolas a cadeado, boicota eleições. Vai para a porta dos tribunais para insultar os réus, trepando uns em cima dos outros para conseguir uma mísera espreitadela dos "assassinos, ladrões, filhos desta e daquela". Diz mal dos políticos que vê na TV mas defende, até a porrada se preciso for, os caciques locais "que roubam mas têm obra feita". O país real tira moncos do nariz quando está parado nos semáforos e não lava as mãos depois de ir à casa de banho. O país real não escova os dentes excepto se for dia de ir "ao doutor dentista" e acha que fio dental é só uma cueca sexy. O país real usa palito, toma antibióticos para tratar uma constipação e tem sempre "um vizinho" ou "um amigo" que tem sempre opinião sobre tudo e no qual confia cegamente. O país real vê o Goucha e a Fátima de manhã, os moranguitos ao fim da tarde, e as sacrossantas novelas à noite. O país real vai de dia a Fátima rezar Pai Nossos, e à noite recita qual ovelhinha a oração da bunda do "fiel ou infiel".O país real ouve tony carreira e os d'zrt e só tem em casa os livros que saíram de graça no jornal de domingo. O país real não tem dinheiro para mandar cantar um cego (?) mas aposta balúrdios no euromilhões. O país real dá traques nos autocarros lotados e espera sempre que seja o gajo do lado a levantar-se para dar o lugar à velhinha que acabou de entrar. O país real passa o tempo a dizer mal do país real.
O país real...sou eu, somos todos nós. Uns mais outros menos, mas todos. E não me venham com a cantiga de que gosto de dizer mal de Portugal, porque o país real é cá dentro, é lá fora, é em todo o lado.
E sim, sem dúvida que o país real também tem coisas boas, mas a mim estão-me sempre a dizer "os teus posts são grandes demais", por isso essa parte do país real fica a vosso cargo. Ou não.

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